sábado, 21 de julho de 2012

Bóson

Eu não sei nada sobre o assunto, mas fiquei muito satisfeito com a descoberta da partícula que foi teorizada há décadas; a partícula que precisava existir para que as teorias sobre o funcionamento do universo estivessem certas; a partícula em torno da qual se construíram dois enormes aceleradores de partículas - um no EUA, que acabou fracassando e foi trocado pelo mais potente, na Suíça -; a partícula que foi mais um ridículo acidente na história do universo, outra coisa ridiculamente improvável, sem a qual nenhum de nós jamais teria existido (aliás isto já é uma visão patética - não só o homem não teria existido, mas nada nunca teria tido massa). Esta foi uma das maiores odisseias do engenho humano. O fato de que algo assim simplesmente tinha que existir, porque nós somos, sim, uma espécie fantástica e capaz, sim, de desvendar as engrenagens do universo - e adivinhe: tinha que existir, e existe! Pois nós somos bons mesmo.

Filosoficamente, essas coisas se podem ver de muitas formas. Lógico, são tudo acidentes e tudo que qualquer besta diga sobre a impossibilidade de explicar a complexidade do homem senão pela mão de Deus, é uma bosta. A religião é o culto da estupidez e a postura de, diante duma questão monumentalmente difícil, ir não atrás duma resposta que se possa provar, mas aceitar a preguiça confortável da ficção de que há um Deus que nos criou não das amebas, mas prontos do nada e destinados a censurar os outros e dar dinheiro para a construção de igrejas de ouro.

Mas uma coisa eu concedo aos religiosos - ou talvez nem isso, vamos ver como termina este parágrafo. Essa coisa é que a espécie humana é destinada a grandes coisas, coisas que, pela simples improbabilidade de nós termos surgido, é improvável que qualquer outra espécie em qualquer outro ponto ou momento do universo seja capaz de realizar. Há uma beleza poética incrível no absurdo de o universo ter gerado o acidente da massa, para gerar os acidentes dos planetas e estrelas, e um planeta estável a ponto de gerar a vida, para, finalmente, bilhões de anos depois, a espécie que é o auge da evolução da vida começar a entender o universo.

Claro, nada disso é um argumento a favor da inteligência divina. A nossa existência é incrivelmente improvável, mas isto não quer dizer nada. Digo, tudo que aconteceu em todos os pontos e momentos do universo foi incrivelmente improvável em relação a um bilhão de anos antes. E, não obstante, algo tinha que acontecer. Só parece algo realmente especial porque você enxerga do ponto de vista aterrador de que, por muito pouco você nunca existiu - e é difícil não ser afetado por esse sentimento. Mas a verdade é que, e daí se nós nunca tivéssemos existido? Não haveria humanos se importando e dizendo, "Uh, foi por pouco, quase existimos". Ninguém nunca teria se importado com nada, as supernovas não dariam a mínima, o universo teria se expandido e retraído sem espectadores, e só. Algo incrivelmente improvável aconteceu - existimos - e é desse ponto que partimos. Se você for pensar, do ponto de vista de um jogador que vença um torneio de pôquer de 100 mil pessoas, partindo do começo do torneio era monstruosamente improvável que ele vencesse. E, no entanto, de outro ponto de vista, era necessário que o torneio tivesse um vencedor - ou seja, algo monstruosamente improvável teria de acontecer necessariamente. E é isso. O acidente da existência humana, do ponto de vista de um observador no começo do universo, nada mais é do que um jogador num torneio de 10000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 quatrilhões de pessoas, elevado ao cubo deste mesmo número sucessivamente até acabar todo o papel do mundo, inclusive os versos. Mas, senão a nossa existência, alguma outra coisa colossalmente improvável teria de ter acontecido. Então ganhamos o torneio - aceita e para de encher o saco. Aconteceu, não porque Deus queria, só aconteceu e ninguém teria se importado se não tivesse acontecido, pois só nós, espécies da Terra, é que nos importamos com coisas. Estamos neste ponto e tentemos ser uma espécie digna de nota - mesmo que, ora, só o sejamos ao nosso ver, pois nada mais no universo toma nota de nada. Mas, nesse sentido, a descoberta da "partícula de Deus" - um nome que não devemos entender literalmente, mas, sim, como uma piscadela aos ignorantes que acreditam em fantasmas - é um triunfo do melhor tipo. Pois Deus foi isolado, estudado, encontrado, desvendado pelo homem, e Ele não é barbudo nem sábio - é só uma partícula estúpida e sem vontade, que se dobrou ao gênio humano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário